Você está visualizando atualmente Meninas, educação sexual e a economia do país

Meninas, educação sexual e a economia do país

  • Autor do post:

O que 3,5 bilhões de dólares a menos na economia do país têm a ver com 11 de outubro, Dia Internacional das Meninas, com 18 de maio, Dia Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, e com 26 de setembro, Dia Mundial de Prevenção da Gravidez na Adolescência? Segundo relatório do Banco Mundial, tudo a ver. Então, vamos conectar os temas. No Brasil, 1 em cada 7 bebês nasce de mãe adolescente. Assustador, não?

Mais de 20 mil meninas grávidas (estupradas) por ano! Como mudar isso? (Imagem: Pixabay)

 

Em 2019 registramos o nascimento de 19.330 filhos de mães que tinham entre 10 e 14 anos, portanto, do ponto de vista legal, estupradas. Para além dos nascidos, temos uma média de 6 abortos realizados por dia em meninas de menos de 14 anos. Se fizermos a conta, são 21.520 meninas de menos de 14 anos grávidas por ano, o que equivale a mais de duas meninas (estupradas) engravidando por hora. Não precisaria de muita pesquisa para entender as consequências disso, mas há. O Relatório do Fundo das Nações Unidas para a População 2020 (UNFPA), explica que mães adolescentes tendem a abandonar os estudos, dado este confirmado pelo IBGE, que mostra que 6 entre 10 delas não trabalham nem estudam. A situação se agrava quando verificamos que a taxa de gravidez recorrente entre adolescentes é de 29,1%, como nos informa o site da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Esta realidade impacta a vida das meninas e seus filhos, mas também a economia brasileira, que pode ter perdido 3,5 bilhões de dólares em função deste quadro (Measuring the economic gain of investing in girls: the girl effect dividend). Como reverter essa realidade?

Sem dúvida este é um problema complexo e multifatorial, mas se quisermos mesmo enfrentá-lo, temos que pensar numa ação eficaz nas escolas.  Muito recentemente foi divulgada a quarta edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE – 2019), realizada pelo IBGE. A pesquisa, entre outras questões, procura traçar um panorama da saúde sexual e reprodutiva de estudantes de 13 a 17 anos matriculados em escolas públicas e privadas. Foram analisadas as respostas de 125.123 alunos e alunas, que nos revelam o seguinte: 35,4% já tiveram relação sexual, sendo que a média da primeira relação é 13,4 anos entre meninos e 14,4 anos entre meninas. Das meninas que já tiveram relação sexual, 7,9% engravidaram, sendo esse percentual muito maior na rede pública. Dentre os entrevistados, 14,6% afirmam que já foram tocados, manipulados, beijados ou tiveram o corpo exposto contra sua vontade, sendo que a maioria esmagadora é de meninas. Nesse item, a diferença entre alunas da rede pública e privada não é significativa, mas os números da rede pública ainda são prevalentes.

As meninas também representam maioria entre os 6,3% adolescentes que declaram que já foram obrigados a manter relação sexual. Quando se busca pelo autor da violência, 32% são pai, padrasto, irmão ou outro parente; 26,1% namorados e 17,7% amigos. Perguntados sobre educação sexual na escola, a maioria se lembra de já ter recebido orientações sobre DST (82,1%), prevenção da gravidez (75,5%) e aquisição gratuita de preservativos (67,6%), sendo que os grupos foram divididos em dois: os menores (13 a 15 anos) e os maiores (16 e 17 anos). É o grupo dos maiores que mais se lembra de já ter ouvido essas falas. Parece-nos que aqui temos duas reflexões a fazer: a primeira é que, ao que tudo indica, o que se tem hoje como educação sexual nas escolas ou está chegando tarde, ou mal. A segunda é que, sem tirar o mérito desta importante pesquisa, a maior parte das 21.520 meninas que deram à luz antes dos 14 anos está sendo ignorada, já que a pesquisa tem como corte inicial 13 anos de idade.

Enfim, é urgente repensarmos a forma de lidar com questões de sexualidade e relações saudáveis nas escolas.  E é preciso começar desde cedo, com crianças muito pequenas, para evitar e estacar aos altíssimos níveis de violência sexual infantil atualmente existentes; seguir com os adolescentes, para evitar a gravidez precoce, que no Brasil está acima da média mundial; e por fim, para fortalecer meninas e melhorar a economia do país!

Luciana Temer

Presidente do Instituto Liberta

Professora da Faculdade de Direito da PUC-SP

Advogada